terça-feira, 21 de julho de 2009

TEATRO COMO EXTENSÃO DE VIDA

Em 1979, vistamos um grupo de teatro amador em Bangalore, no sul da Índia. Os ensaios eram sempre à noite, pois os artistas trabalhavam durante o dia.

No pequeno teatro de Bangalore os atores realizavam a arte como extensão de sua própria vida. Entrevistamos um dos participantes do grupo, Vijai Padaki. Ele trabalhava durante o dia como psicólogo do Instituto de Administração, e durante a noite, invariavelmente, podíamos encontrá-lo colaborando com seu grupo de artistas dentro e fora do palco.

-“Hoje estou de baby sitter”, nos disse ele.

Enquanto os pais da criança ensaiavam uma cena, ele mostrava as vitrines coloridas a um garotinha de uns 4 anos.

-“Nós nos revezamos em todas as atividades. Quando não estamos participando do espetáculo atuamos fora de outra maneira. Nossa atividade artística é o teatro, mas ela se estende também para a vida. Vivemos de forma comunitária sem a necessidade de morar dentro do mesmo espaço. Organizamos uma espécie de cooperativa constituída por um pequeno grupo de artistas. A arte para nós é um complemento indispensável à vida. Durante o dia somos profissionais liberais, engenheiros, advogados, médicos ou psicólogos. Trabalhamos normalmente como qualquer indiano de classe média, em repartições públicas ou em firma particulares. Das 6 horas da tarde em diante nos reunimos para o trabalho comunitário em torno do teatro. Na Índia nosso grupo é um dos mais antigos. Somos amadores porque temos ocupações diferentes durante o dia, mas no final, acabamos sendo considerados do mesmo nível dos grupos profissionais, levando até certa vantagem sobre eles. Não temos os problemas que enfrentam esses grupos: preocupações com o ganho material, o sucesso, os intermediários, com a competição e o estrelismo. Somos livres e sentimos que uma comunidade só pode ser forte quando mantém com clareza certos princípios. Ao iniciar nossas atividades, há 18 anos atrás, estabelecemos como principio que cada pessoa tem o seu próprio valor e este deve ser respeitado e estimulado. Não existe uma hierarquia dentro do grupo, nem alguém que se sobressaia sobre os outros. Ninguém se torna a estrela principal do grupo. Algumas vezes representamos o papel principal e noutras peças fazemos o papel secundário. Isso nos ajuda a quebrar o ego. Nosso grupo tem por princípio quebrar o estrelismo. Entendemos que todos os papeis tem igual valor. Representamos diversos papéis artísticos e burocráticos e experimentamos uma variedade de situações. Consideramos as atividades técnicas tão importantes quanto as artísticas. Até mesmo os eletricistas e os cenógrafos participam de nosso grupo e muitas vezes são artistas também. Temos 150 membros, desde jovens até idosos...”

-“Nossos estudantes são treinados por nós mesmos. Às vezes, assumimos o papel de professores de acordo com a nossa capacidade individual. Cada um contribui com aquilo que sabe. Temos um membro que mora numa aldeia próxima e costuma fazer algumas cenas em seu próprio meio ambiente. Fazemos experiências denominadas trabalho de laboratório para um pequeno público mais íntimo e apresentamos ao grande público umas três ou quatro peças ao ano. Temos um comitê com presidente, secretário, dentre outros, composto por dez pessoas, que decidem o que será apresentado”.

Terminamos a entrevista com um almoço apimentado, à moda indiana, ouvindo música ocidental. A mãe servia a mesa e as crianças comiam sentadas no chão. O teatro para essa família era uma forma de crescimento e equilíbrio psíquico, mas não perdia o seu valor artístico.

Tive também a oportunidade de assistir a uma representação do grupo no palácio do governo de Bangalore, com a presença das autoridades e da sociedade local. Há um grande incentivo da parte do governo em torno das atividades artísticas nas diversas áreas. O teatro no final é a própria vida, com seus contrastes e suas mutações, estabelecendo o equilíbrio entre o trabalho e o lazer.

Nenhum comentário:

Postar um comentário