sexta-feira, 20 de dezembro de 2013


REEDUCAÇÃO ATRAVÉS DAS ARTES

A arte é grande auxiliar da educação. Uma educação que visa apenas ao acúmulo de conhecimentos ou à repetição de conceitos do passado é uma educação fragmentada. Não atinge o desenvolvimento do ser humano sob todos os seus múltiplos aspectos. O acúmulo de conhecimentos teóricos, não vivenciados, permite apenas uma visão parcial. Para haver compreensão total é necessário viver o aprendizado e percebê-lo de forma global. O papel do educador assume um caráter de constante humildade diante do novo que desperta. Todo ser humano tem direito à sua própria individualidade e não pode ser moldado de acordo com normas.
O desenvolvimento da consciência, feito com o auxílio da arte, torna-se um processo natural de crescimento. O movimento criador é um impulso do ser humano, que flui diretamente de suas raízes mais profundas.
As artes da dança e da música são aberturas para o movimento, despertando o jovem para a compreensão do seu relacionamento com o espaço que o rodeia. Por meio da dança espontânea e da expressão corporal ele pode conhecer e explorar seu próprio corpo, veículo de todo um potencial interno. O conhecimento do corpo nos faz conscientes de nossa realidade mais profunda. Sentimos que estamos unidos a tudo o que existe, percebemos o nosso relacionamento com os animais, as pessoas e a natureza. O corpo é o primeiro instrumento de conscientização.
O movimento do corpo traz como conseqüência o movimento das mãos, que funcionam como intermediárias entre a mente, o físico e as emoções. Na educação pela arte, as mãos ocupam um lugar de grande importância, pois permitem o extravasamento imediato dos símbolos do inconsciente, aflorados através de formas, cores e sinais gráficos.
Todas as atividades não verbais estão em contato direto com as emoções, os sentimentos e o intelecto, o que permite trazer à tona alguma coisa daquilo que a palavra não pode atingir.
A arte na educação vem contribuir para o reencontro do homem consigo mesmo e com a natureza para mais tarde, espontaneamente, despertá-lo para a sua posição no universo. Então ele compreende, sem esforço, que a verdadeira sabedoria não pode ser encontrada fora, nos objetos e coisas do mundo, nem no acúmulo de conhecimentos teóricos, porque já existe dentro dele, desde a infância.
São recursos de reconstrução humana as aulas de criatividade nas Escolas de Belas Artes, os workshops nas empresas, os teatros e corais nos asilos, hospitais e creches, os espetáculos circenses nas ruas, os saraus que se organizam nas festas familiares, os contadores de histórias e várias outras iniciativas que emergem espontaneamente em vários segmentos da sociedade. A arte do momento desce dos museus e galerias, deixa de ser privilégio das elites, para ajudar a humanizar o nosso cansado e violento mundo materialista.
Para haver a harmonização do ser humano, torna-se necessária a união dos opostos, razão e intuição, o equilíbrio do lado esquerdo e direito do cérebro. Também para a harmonização do planeta, torna-se necessário o equilíbrio dos seus lados esquerdo e direito, que correspondem à razão do mundo ocidental e à intuição do oriental. Para nos compreendermos como uma síntese do universo, devemos começar com a educação de todas as potencialidades contidas em nosso corpo, de nossos movimentos e vibrações mais sutis. Somente compreendendo a grandeza do mecanismo de nosso próprio corpo, de nosso psiquismo e de nossa mente com todo o seu potencial, poderemos alcançar a realização de nós mesmos como seres humanos, vivos e habitantes de um planeta. A verdadeira paz, em escala planetária, brota espontânea desse conhecimento de nós mesmos. Só então seremos livres e poderemos repetir como o oráculo de Delfos: "Conhece-te e sê livre".

Fotos da internet


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quarta-feira, 27 de novembro de 2013


HOMENAGEM À SARA ÁVILA

Para registrar o trabalho de Sara Àvila na Escola Guignard convidei o artista Eymard Brandão, seu ex-aluno, para escrever um depoimento. Segue abaixo o depoimento de Eymard:
“Querida Maria Helena,
Tenho convivido com inúmeros fatos e sentimentos relacionados ao recente falecimento de nossa amiga Sara Ávila.
Domingo passado, quando conversávamos em sua casa, me lembrei de uma aula da disciplina intitulada “Desenho de Criação”, que tivemos com Sara nos anos setenta. Sempre tenho presente que esta foi uma das disciplinas que Sara assertivamente implantou na Escola Guignard, durante o período que lecionou de forma sempre marcante.
Numa dessas aulas de criatividade executei o tema proposto, ou seja, um desenho de paisagem  com caneta esferográfica preta sobre papel, explorando todas as possibilidades que este material poderia oferecer.
Fui para o Parque Municipal e fiz o trabalho. Na minha opinião ficou da melhor qualidade, pois o desenho era ministrado como matéria essencial para domínio de nossos meios de expressão, como você bem sabe e lembra com certeza.
Quando apresentei o desenho realizado ela olhou, olhou novamente e disse:
Ótimo. Mas estas canetas foram concebidas industrialmente para fazer a linha e  podemos ir muito além desta convenção. Então, pegou minha caneta,    quebrou-a pelo meio e rompeu aquele tubo de plástico que contem a tinta, dobrando-o alternadamente algumas vezes. Com esta tinta  e usando diretamente seus dedos, fez uma  demonstração de   belas manchas e  linhas. Foi uma experiência simultaneamente simples, marcante e sempre atual em seu intrínseco significado.
Sara sempre teve um dom, um potencial específico para interagir com os alunos, sem receitas prontas e lidando diretamente com o potencial de cada um  no fazer artístico. Seus ensinamentos, ao exercer o magistério, iam além das salas de aula, sempre integrados a valores éticos e estéticos. Na universalidade da linha, por exemplo,  cada um era estimulado a encontrar sua identificação e seu caminho pessoal. O gesto e o movimento abriam uma porta, as texturas e respectivas tramas outras, e assim por diante com as diversificadas técnicas. Tudo se integrava na criatividade, estimulada além de palavras escritas ou faladas, pois trabalhávamos  essencialmente  com a percepção.
Sara construiu uma sólida trajetória como artista plástica, unindo expressiva cultura ao conhecimento do ofício. E manteve sempre presente importantes elos com nossa contemporaneidade, sem imposturas intelectuais e ultrapassando fronteiras”.
 Ao ler o depoimento de Eymard Brandão sentimos o quanto Sara descondicionava os alunos do convencional, do maneirismo e da repetição. Quebrar os condicionamentos, despertar o novo é uma das formas de crescimento proposta pelo grande mestre indiano Krishnamurti. Sara, sugerindo ao aluno quebrar a caneta, estava lhe propondo usar como instrumento, não o convencional, mas o novo, criado na hora. Suas aulas promoveram mudanças na capacidade criativa de seus alunos.
Despertar o novo na arte e na vida, não percorrer repetidamente os caminhos já trilhados é uma das possibilidades mais instigantes da arte contemporânea.
Sara foi uma das artistas mineiras que mais se projetou no exterior. Convidada para participar do Grupo Internacional “Phases”, sediado em Paris, ela percorreu o mundo com seus desenhos fantásticos. Não rejeitou a arte como forma de expressão, mas seguiu com a arte até o fim, sempre criando. Produziu obras fantásticas que mergulham no inconsciente de cada um de nós e obras líricas, poéticas, da série “Noturnos”. Em sua missa de sétimo dia, realizada no Auditório da Escola Guignard, o “Noturno” de Sara envolvia todo o ambiente com suas luzes. A trajetória de Sara Àvila foi sempre um caminho em direção à essa luz.

*Fotos de Adriana Moura

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quarta-feira, 13 de novembro de 2013


GUERRA E PAZ

O Cine Brasil me lembra a infância, quando foi inaugurado na década de 30. Vestíamos roupas domingueiras, chapéu na cabeça, para assistir às matinês de domingo, com os filmes desfilando aos nossos olhos: Marlene Dietrich, Greta Garbo, Robert Taylor, Tyrone Power e Shirley Temple com seus sapateados. Entrei até para uma aula de sapateado com Natália Lessa, professora de dança das meninas do society belorizontino.
Agora restaurado pela Vallourec, o Cine Brasil está proporcionando ao público da cidade uma exposição monumental da obra de Cândido Portinari, um documentário maravilhoso de um dos maiores pintores brasileiros.
O catálogo Rasoné desfila o seu itinerário em projeções de desenhos, estudos, a caminhada longa e muitas vezes dolorosa do artista de Brodowski. Consegui permanecer sentada por muito tempo porque a obra do mestre é realmente grande e empolga os espectadores mais interessados em sua curta caminhada por este planeta. É um exemplo de tenacidade e persistência na arte, a seriedade em preparar cada painel com estudos, croquis, até chegar ao resultado final já com cores.
Portinari morreu pela arte, intoxicado por tinta. Foram apenas 53 anos de vida, deixando uma obra que se prolonga no tempo com a força e a energia de um grande artista.
Conheci-o pessoalmente, como aluna de Guignard, fiquei horas diante do painel da Igrejinha da Pampulha, vendo Portinari, ajudado por uma equipe de bons artistas vindos do Rio, preparando as tintas, misturando cores para a realização de um mural que é hoje um símbolo para todos nós de Belo Horizonte.
Naquela ocasião João Cândido era criança, mas o acompanhava sempre em suas viagens, em seu trabalho. Hoje João Cândido é também artista, coordenando e promovendo a obra de seu pai. Elaborou o Projeto Portinari e organizou o Catálogo Rasoné, com toda a trajetória do mestre.
Agora, no Cine Teatro Brasil, o público acompanha os passos dos dois painéis pertencentes à ONU, com o desdobramento dramático da Guerra e da Paz.
Assisti Portinari pintar Guerra e Paz no Rio de Janeiro, hoje aqui estou, admirando o itinerário histórico do artista.
Guerra e Paz continua a ser o tema do momento, sua mensagem é perene e não tem fronteiras. Guerra e Paz nos emociona porque está presente, dentro de cada um de nós em cada momento, enquanto percorremos nossa trajetória de vida no planeta.
No 5° andar do Cine Brasil, pode-se apreciar uma releitura da obra de Portinari realizada em bordados pelo grupo Matizes Dumont de Pirapora. O drama e a poética do mestre continua inspirando artistas tais como Sérgio Campos, formado pela UFMG, que há dez anos se dedica ao estudo da obra de Portinari.

Selecionei alguns trechos do catálogo, sobre os painéis “Guerra” e “Paz”:
“Portinari não identifica guerra alguma, como se afirmasse que em sua essência todas se equivalem no desencadeamento de horror e animalidade... Figuras em grupo compacto, genuflexo, braços levantados com as mãos espalmadas e rostos voltados para o céu, nesse cenário de morte deixam transparecer uma aragem de força e vida, de condenação à própria existência da guerra”
“O que emana do painel “Paz” nos enleva e encanta, mais que a idéia de paz, é a própria paz que nos invade ao contemplá-lo. É a sensação de penetrarmos num universo de paz, de comunhão fraterna no trabalho produtivo, num reino mágico de cores reluzentes, do som da ciranda de jovens num canto universal de fraternidade e confiança, ou da candura dos folguedos infantis. Com todos esses tons dourados, alegres, crepitantes de vida, o pintor parece nos dizer: a paz é possível. Dia virá em que a humanidade desfrutará da paz sem limites no espaço e no tempo.”

*Fotos de arquivo

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terça-feira, 29 de outubro de 2013


ESCHER, UM DESPERTAR DO “VER”

A exposição do artista holandês Escher no Palácio das Artes, de uma beleza extraordinária, foi para mim um toque de consciência e um despertar da percepção visual. Lembrei-me das aulas do mestre Guignard, quando ele fazia um quadrado pequenino, dentro de uma cartolina branca. O aluno teria de ver o mundo através daquele orifício e o mundo se desdobrava em mil facetas diversas, apontando direções inusitadas. As coisas eram vistas dentro de um todo imensurável, como um caleidoscópio. Este exercício possibilitava ao jovem a compreensão da multiplicidade da vida visto através do “aqui e agora”. Este “aqui e agora”, tão proclamado pelos orientais que buscam o contato com a Essência, é realizado através dos tempos quando a arte é vista como um processo, uma busca, um encontro. Escher nos abre a percepção e nos coloca com uma visão espacial pouco vislumbrada pelo ser humano distraído, envolvido em seus próprios pensamentos.
A volta ao passado muitas vezes é um impedimento para o presente. Viver o presente, o “aqui e agora”, o poço onde nos vemos em profundidade, a ilusão dos espelhos que multiplicam nossa imagem, tudo isto é motivo de reflexão.
Ninguém consegue sair da exposição “A magia de Escher” sem ser atingido pela magia de suas propostas.
Saio de lá refletindo no poder da criatividade que nos permite ver a unidade na multiplicidade sem palavras, apenas com objetos, desenhos, esculturas, instalações. Na rua, já do lado de fora do Palácio das Artes, vou reparando que o “Escher” continua nos prédios em torno, nas avenidas, nas janelas que se fecham escondendo mistérios, nas escadas onde as pessoas estão sempre subindo ou descendo. O mundo é um grande teatro, uma grande performance, sem necessidade de mostrar que é uma performance, simplesmente o mundo a cada instante nos mostra o novo, o não visto, o não interpretado.
Escher é um mestre disfarçado em artista, um verdadeiro mestre, porque faz o espectador, não somente participar, mas recriar seu próprio mundo de sonhos.
Selecionei algumas frases do seu catálogo:
“Trabalhando com conceitos clássicos da arte pictórica, como a perspectiva, o moto-perpétuo e o reflexo, entretecendo-os com sistemas de ladrilhamento do plano e outros conceitos matemáticos, Escher criou universos inteiros.”
“O mundo de Escher combina objetos incompatíveis. O artista sempre nos propõe a mesma questão: “Por que o mundo - ao menos o mundo retratado na arte – não pode ser uma combinação de diferentes realidades?”
“Talvez eu esteja sempre em busca do espantoso e, por isso, procure apenas provocar espanto no espectador”(Escher)
“Não conheço prazer maior do que errar por vales e montes, de aldeia em aldeia, deixando a natureza sem artifícios agir sobre mim, apreciando o inesperado e o extraordinário, no maior contraste imaginável com o dia a dia caseiro”(Escher)

*Fotos de arquivo
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domingo, 6 de outubro de 2013


ANTONIO BENTO, CRÍTICO INCENTIVADOR DAS ARTES

Por ocasião da minha primeira exposição de arte abstrata no Rio de Janeiro, em 1953, na Galeria do Instituto Cultural Brasil - Estados Unidos, o conhecido crítico de arte Antônio Bento, do Diário Carioca, escreveu o texto abaixo, motivo de grande incentivo para o meu trabalho. Guardei suas palavras com muita atenção, o que me motivou anos mais tarde a desenvolver esculturas baseadas nos desenhos daquela época.

                   “O mérito maior que revelam os quadros de Maria Helena Andrés, principalmente os da última fase, reside no fato da pintora ter marchado por si mesma para a arte não representativa, na cidade de Belo Horizonte, onde, além de raras incompletas exposições, não há museus, gabinetes de estampas ou coleções privadas em que se encontrem quadros dessa tendência. Marchou para a abstração levada mais pelo espírito de aventura e de pesquisa de um meio novo de expressão - do que propriamente por uma imposição do ambiente ou por simples conformismo.
         Tendo começado a fazer abstrações ou formas baseadas na realidade, como se vê de sua tela representando um rebanho no pasto, em breve Maria Helena Andrés se encontrava diante dos problemas específicos da pintura não-objetiva.
         Seus últimos quadros já denotam um progresso sensível, mostrando que a artista começa a manejar a linguagem abstrata, livremente, por si mesma, sem recorrer à gramática dos abstratos suíços ou dos concretos, em seus exercícios intermináveis de círculos, quadrados, triângulos, “confettis” multicores, feixes de linhas, tudo isso arranjado, com maior ou menor habilidade dentro do espaço pictórico.
         A artista procura agora estruturar suas composições dentro de ritmos ou de combinações de forças e cores menos estereotipadas que as concretas já conhecidas. E sabe desenhar com segurança, como se pode verificar pela série da “Via Sacra”. Alguns desses desenhos possuem uma grande pureza linear. E são, ao mesmo tempo, de uma qualidade arquitetônica irrecusável. Lembram esculturas de fio de ferro, pela nitidez com que se erguem no espaço, parecendo feitas para uma vida mais transcendente que a do simples desenho em preto e branco. As últimas composições da artista denotam uma segurança que não se encontra em muitos dos nossos abstratos de maior experiência. E revelam também uma sensibilidade apurada. Sente-se que a pintora tem alguma coisa a dizer na plástica abstrata, trazendo a sua contribuição a uma arte que requer autenticidade, pois do contrário não passará de um simples exercício acadêmico”. (Antônio Bento, Diário Carioca, Rio de Janeiro, setembro de 1953)

*Fotos de arquivo

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domingo, 22 de setembro de 2013


DA FIGURA AO ABSTRATO

Dando continuidade aos artigos dos críticos de arte que escreveram sobre o meu trabalho, publico aqui um depoimento  de Jacques do Prado Brandão, conhecido intelectual mineiro:

         “O primeiro traço marcante da personalidade de Maria Helena Andrés é sua extrema sensibilidade. Em seus desenhos e quadros, nas linhas que se desenvolvem marcando planos, nos contrastes de cores, sutis e delicados, encontramos a artista voltada sempre para o mundo exterior, sensível à inteligência da linha e ao inefável poder emocional da justaposição de dois matizes distintos.
         Quando das primeiras exposições do Grupo Guignard, que dividiu as artes plásticas em Minas num antes e num depois definitivo, aprendemos a distinguir os seus trabalhos pela exatidão minuciosa de seu lápis
         Em Guignard, mais do que um professor, Maria Helena Andrés encontrou a liberdade, a sua liberdade, podendo deixar que suas linhas seguissem em harmonia com a imaginação e o pincel, preso quase completamente ao anedótico, um campo mais amplo do domínio da cor. Desde então sua evolução foi rápida e segura. Trabalhando intensamente - onde quer que vá a pintora leva consigo lápis e papel para esboços e estudos - logo se projetou como um dos principais elementos do grupo e, em breve, via seus trabalhos premiados no Salão Nacional.
                   Em exposições coletivas do Grupo Guignard e numa exposição com Marília Gianetti Torres, apresentou-se Maria Helena Andrés sempre com uma grande variedade de quadros que, para o observador não atento ao desenvolvimento da artista, poderiam sugerir um temperamento inquieto e sujeito às mais diversas tendências da pintura atual. No entanto, é bem o contrário o que sucede. Maria Helena Andrés é desses artistas que preferem seguir os impulsos naturais de seu temperamento do que submeter-se a tendências e escolas. Prefere trabalhar no sentido de um aprimoramento mais interior, evoluindo naturalmente, de acordo com sua sensibilidade, de um quadro para outro, do que tentar aprender fórmulas avançadas do momento. Naturalmente, sua fina sensibilidade não deixa de conhecer o que de autêntico existe nas mais variadas experiências estéticas, mas a artista refugia-se no trabalho, defendendo-se assim das influências estranhas ao seu temperamento.
         A unidade que existe nas diversas fases de sua pintura é bem uma prova do que acabamos de dizer. Comparando dois períodos de sua pintura, aparentemente os mais diversos, vemos ressaltar as qualidades próprias da artista: o sentido de cor e de forma, o equilíbrio da composição a mais audaciosa.
         Sua fase lírica inicial, onde eram ainda bem visíveis os ensinamentos de Guignard, nas manchas de cor largas e colocadas em vibração, principalmente nas paisagens tendo por tema o Parque Municipal de Belo Horizonte, se a compararmos com uma fase bem posterior, de atmosfera noturna, já completamente livre da presença do mestre, onde a artista raspava a superfície do  quadro e fazia predominar os amarelos e os marrons, podemos distinguir as relações de uma fase com outra, no domínio da composição e na segurança pessoal do tratamento. E se observarmos os seus desenhos, esta unidade ainda mais se destaca, nos dando a linha evolutiva de sua carreira até hoje.
         Desde os trabalhos iniciais, sob a direção de Guignard, Maria Helena Andrés vem caminhando de um grafismo de contornos exatos para uma caligrafia ideal dos objetos, que se revela inicialmente nos seus estudos da vida rural. Rápidos esboços, feitos na fazenda onde a pintora passa as suas férias, que servirão de incentivo primeiro para as mais ousadas abstrações. Esses desenhos, onde a mão acostumada a uma disciplina severa acompanha o objeto presente num traço firme e sensível, servem de base à criação de mundo de formas, onde a imaginação da pintora pode se expandir livremente dentro dos limites exatos da tela.
         Pois, Maria Helena Andrés parte sempre, mesmo nos quadros de puro jogo formal de cores e planos, de dados observados diretamente da realidade, extraindo deles oculta beleza e submetendo-os aos ritmos próprios de sua composição.      Profundamente ligada à sua terra e à sua gente, com um raro conhecimento artesanal, delicada e sensível, Maria Helena Andrés é um dos valores novos de Minas, uma pintora de invulgar talento que se vai projetando firme e poderosamente como uma das expressões plásticas do Brasil." (Jacques do Prado Brandão, em “Maria Helena Andrés vista por Jacques do Prado Brandão”. Correio do Dia, Belo Horizonte, 20 de setembro de 1953)

*Fotos de arquivo

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sábado, 31 de agosto de 2013


DA ARDILOSIDADE DA LINHA

Sobre a minha trajetória na arte, separei alguns depoimentos para este blog, dentre eles a crítica abaixo, de Agnaldo Farias:

   “No Brasil a entrada em cena da abstração, coincidentemente ocorrida durante os anos cinqüenta, quando o país trocava sua vocação agrária em favor de um perfil urbano/industrial, é um capítulo de matizes variados e que, a julgar pela ênfase na vertente geométrica sediada em São Paulo e Rio de Janeiro, dada pela historiografia das últimas décadas, resta muita coisa ainda a ser analisada e avaliada em termos mais condizentes.
   Se os cinqüenta foram férteis para a arte brasileira em geral, anos que hoje figuram dentro da história da nossa arte, até ali não muito exuberante, como a década da nossa emancipação intelectual, em que o melhor da nossa produção passou a não depender mais de forças epifenomênicas como Segall, Guignard e Goeldi, foram igualmente decisivos na trajetória da nossa artista.
   Expondo na Ia. Bienal Internacional de São Paulo, em 1951, suas pinturas e aquarelas calcadas no registro atento e delicado de cenas do cotidiano das Minas Gerais onde vivia, foi ali que Maria Helena Andrés presenciou o impacto da abstração geométrica, assistiu a premiação da obra vigorosa daquele que na altura era o seu maior representante, o suíço Max Bill, autor de “Unidade Tripartida”, peça que hoje integra o acervo do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, e voltou sintonizada com o debate que a faria mudar o vetor de sua pesquisa. Paulatinamente ela foi se afastando, ainda que quase nunca por completo, de um contato mais direto com o mundo, da pele e das formas das coisas que ela, sempre com grande qualidade já vinha transformando num jogo de modulações cromáticas sobreposta a um processo gradativo de simplificação formal. Data dessa fase as cenas domésticas e rurais, o interior das casas, os bichos domésticos e pássaros, todos eles reduzidos a elementos geométricos, no mais das vezes puxados de uma só linha, como um impulso que se desata pela superfície de papel, ávido no fabrico de um mundo só dele.
   Aliás, essa desenvoltura do gesto de Maria Helena Andrés, que se afirmaria ao longo dos anos, e que inclusive se ampliaria por superfícies cada vez maiores, é uma qualidade que ela lapidou já no interior do Curso Livre do Instituto de Belas Artes de Belo Horizonte, onde, sob o comando de mestre Alberto da Veiga Guignard, tendo ao lado os talentos de Edith Behring e Franz Weissmann, ela estudou de 1944 até 1947.
   A justificada admiração pelas obras de Weissmann e de Amílcar de Castro, este último colega da nossa artista, obras de caráter mais do que exato, extraídas do metal ou do correspondente projeto traçado em linhas duras e despojadas, acostumou-nos, ou ao menos para aqueles não tão bem informados e que a bem dizer formam a imensa maioria, a pensar Guignard como um professor que a considerar a diafaneidade e leveza das atmosferas que ele próprio pintava, pregava justamente o oposto do que fazia: o peso e a incisividade da certeza. Também nesse sentido, acompanhar a preciosa coleção de desenhos e croquis que a artista ciosamente conservou consigo, significará perceber um pouco mais sobre as possibilidades abertas pela lendária lição de Guignard obrigando seus alunos a desenhar com lápis de grafite duro, lápis que abre um sulco na fibra do papel, que deixa sobre ele uma marca indelével para além da trilha escura que ele vai depositando na razão da força empregada pela mão.
   Sob títulos prosaicos como “Mudança a cavalo”, “Figuras na rua”, “Boiadeiro”, “Interior de fazenda”, “Cena da via sacra”, assiste-se ao desenrolar contínuo, sem rupturas, de uma linha tão seca quanto suave, uma linha de nanquim magra como o gume de uma faca e que como tal separa os contornos de tudo o que encontra pela frente – casa, chão, cadeira, cruz; cavalo, cavaleiro, cabresto, arreio; boi, boiadeiro, vara, berrante-como se fosse possível fender a paisagem, retirar sua matéria mais estrita, mais rente, seu nervo ou seu osso. Se a linha é esquálida, o mesmo não se pode dizer da precisão de quem a leva na qualidade de um corte ininterrupto, que parece respirar apenas quando sua faina cessa. Mas o que antes nos fascina, o que enleva nossos olhos fazendo-os flutuar na cadência dada pelas linhas, é a delicadeza com que essa geometria, ciente das coisas e sobretudo de si própria, abandona-se ao flerte e ao devaneio da mão, inventando brincadeiras, deslizando para lá e para cá, deixando-se intrincar ao sabor de curvas íngremes e ângulos abruptos. Tudo isso, convém frisar, elaborado em papel de pequeno formato, área limitada e que convida ao olhar mais próximo, colado, um olhar acariciante, coerente com um traçado minucioso a um só tempo frágil e coeso, como teia de aranha ou arame dos insetos.
   Se a mudança de orientação por parte de Maria Helena Andrés, a opção por uma poética de extração construtiva não implicou, ao menos na década contemplada por essa mostra de agora, no abandono da figuração, o fato é que ela foi levada para mais longe, para uma região em que os motivos representados tornam-se mais e mais indifusos. Barcos, cidades e construções, em especial aquelas organizadas através de campos retangulares, eram as vagas referências, quase que os pretextos para a artista demonstrar a fecundidade da linha, simplificada em conjuntos justapostos de linhas verticais e horizontais, de que são exemplares magníficos os estudos para cidade iluminada, realizados a bico de pena branco sobre papel preto.
   A fecundidade do desenho da nossa artista fica ainda mais patente nas esculturas, versões atualizadas da mesma família de desenhos contínuos elaborados naqueles anos. Os desenhos fechados, série de quadriláteros enunciados exclusivamente pelas arestas, linhas que se resolvem em ângulos e quadriláteros irregulares, sobrepostos entre si, revelam-se enfim formas retráteis; transpostos para o ferro, as linhas saltam no espaço, volumetrizam-se, despacham-se no espaço abraçando-se ao ar. Na qualidade de esculturas perdem a univocidade permitida por sua leitura no plano de papel. Postas no espaço, passíveis de serem observadas a partir de ângulos variáveis, cada um único desenho converte-se agora em vários, tanto quanto os pontos de vistas de alguém que se desloca ao seu redor. Cada escultura é, portanto, um desenho plural, prova conclusiva do ardil que todo desenho, desde que produzido por mão sábia, traz dentro de si.” (Agnaldo Farias, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP)

As esculturas recentes, inspiradas em desenhos construtivistas da década de 50, estarão expostas, de 5 a 8 de setembro na Feira ArtRio através da Galeria Lemos de Sá.
Endereço: Pier Mauá, Av. Rodrigues Alves, n° 10, Saúde, Rio de Janeiro. Para mais informações entrar no site www.artrio.art.br.

*Fotos de Maria Helena Andrés e de arquivo


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sexta-feira, 30 de agosto de 2013

segunda-feira, 12 de agosto de 2013


I SEMANA DE ARTE DE ENTRE RIOS DE MINAS

 A 1° Semana de Arte de Entre Rios de Minas aconteceu agora, no final de julho, com grande sucesso, organizada por Marília Andrés, a nova presidente do IMHA.

Marília é historiadora e acredito que a sua gestão vai ser baseada na história. Teresa, nossa jovem ex-presidente renunciou  ao cargo devido ao fato de estar, de agora em diante, morando fora do Brasil, embora tenha colaborado na estruturação do evento.
Marília buscou apoio da UFMG, dali trazendo uma equipe de professores ligados às novas tecnologias. Um vídeo está sendo formalizado, com a história da minha vida de artista, focalizando de preferência a minha fase rural, onde a influência de Guignard foi marcante. Procuramos separar numa sala as pinturas e em outra os desenhos e aquarelas. Naquela época (década de 40) eu pintava à óleo, não havia ainda surgido o acrílico, mas dentro da pintura orientada pelo mestre Guignard, separei alguns quadros representativos. Para o documentário, dei entrevistas para a equipe que veio de Belo Horizonte para ministrar as oficinas da Semana de Arte.

Na minha opinião, Entre Rios está formando um grupo muito bom em vídeos, os professores são ótimos e os alunos muito interessados.

Nesta semana de arte, Marília convidou professores que conheciam o processo de fotografia Pinhole, precursor da fotografia, que remonta à época de Leonardo da Vinci.
“Uma caixinha ou lata poderá servir de câmera fotográfica”. As crianças deliraram ao aprender o processo da câmera escura e ter a alegria de verem seus trabalhos serem revelados. Pinhole é de uma simplicidade comovente. Nesta época em que as crianças recebem brinquedos prontos, a fotografia à moda antiga nos faz refletir sobre o trabalho artesanal dos antigos pesquisadores.

Visitei a oficina de musicalização infantil, linguagem lúdica da música entregue à professora Iraty Boelsums, no Villa Lobo Arte Bar. 30 crianças sentadas no chão, entoavam notas musicais acompanhadas de pandeiros e chocalhos. O objetivo era despertar a criança para o som que está em toda parte, ao redor de nós e também dentro de nós. Havia uma energia muito boa, circulando pelo espaço, em vibrações, como se um grupo de anjos estivesse descendo à Terra. Assisti ao final do curso e pude participar dos abraços coletivos de agradecimento dados pelos artistas mirins à sua jovem professora. Realmente, a música é um grande instrumento de harmonização.

À noite o bar da Cláudia voltava a ser de gente grande. Durante a semana de arte, aconteceram apresentações musicais da Seresta Rios ao Luar, do Grupo Voz e Poesia (Luciano Luppi, Ivana Andrés e Evaldo Nogueira), além de projeções de vídeos de Tuca Boelsums, Graveola e Eduardo Fillizola.

Gostaria de agradecer a preciosa colaboração dos coordenadores Pedro Duarte Lobo, vice presidente do IMHA, Evandro Lemos da Silva, da UFMG, além dos músicos Iraty Boelsums, Ralph Oliveira e Verônica Nóbrega, que doaram seus trabalhos  de forma voluntária.

Também gostaria de agradecer aos colaboradores Iara Rolim de Oliveira, Cláudia Ribeiro Duarte Resende, Tuca Leão Boelsums, Ana Carolina Novaes de Almeida, Gabriel Caram, Vinícius Odilon, Gorete Boelsums, Laura Melgaço Camilo, Mariah Boelsums, Pedro Bertal, Jonathan Serafim e Daniela Cristiane Santos.


*Fotos de Maurício Andrés


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sexta-feira, 9 de agosto de 2013