sábado, 19 de julho de 2014


EXPERIÊNCIA ARTÍSTICA

O texto abaixo é uma página do meu livro “Vivência e Arte”, escrito na década de 60, quando eu me dedicava, não somente à criação dos meus seis filhos, mas também aos estudos de filosofia e estética das artes. Naquela época, continuava o meu caminho nas Artes Plásticas.
         Sobre a experiência artística, temos uma página admirável do grande poeta que foi Rainer Maria Rilke: "Versos não são, como tanta gente imagina, simplesmente sentimentos - são experiências: é preciso ver muitas cidades, homens e coisas, conhecer o voo dos pássaros e o gesto das flores, quando se abrem pela manhã; voltar em pensamento aos caminhos das regiões desconhecidas, aos encontros inesperados, às separações já de longe previstas, às doenças da infância carregadas de profundas e graves transformações, aos dias fechados ou de sol, às manhãs de vento ao mar, às noites de travessia e de fuga. E tudo isto não basta. É preciso, também, as memórias das vivências passadas e mesmo estas não bastam. Pois é preciso também saber esquecê-las, quando são muitas, e ter-se a imensa paciência de esperar que voltem novamente. E, quando então tudo tiver retornado dentro de nós, como o sangue, a brilhar e a gesticular sem se distinguir de nós mesmos, só então pode acontecer que, na hora rara, a primeira palavra de um poema se levante no meio daquelas experiências e delas prossiga."
         A descrição do processo poético, de Rilke, pode aplicar-se a qualquer outra arte. Consideremos o artista plástico diante de sua tela ou da folha de papel em branco. Ao escolher uma cor ou preferir uma linha, o artista revela ao mundo parte de sua vida. Alguma coisa que lhe pertencia, exclusivamente, se faz partilhar naquela forma nova, criada por ele. São suas paixões, seus dramas. São suas primeiras impressões de infância, o despertar para o mundo, as inquietações da adolescência, os sonhos e arrebatamentos da mocidade, a plenitude da idade madura. É a alegria do primeiro filho que nasce, as noites de vigília à beira do berço, a capacidade humana e natural de poder dar-se a alguém.
         A arte não é incompatível com as coisas simples da vida. E, para ser artista, não é preciso viver de um modo extravagante e original. Não é preciso vestir-se excentricamente e andar pelas ruas de madrugada em rodas boêmias, embora a arte não exclua qualquer experiência.
         A vivência artística é a realidade de uma vida interior intensamente vivida, onde os acontecimentos grandes e pequenos, originais ou rotineiros, tem um valor eterno.
         É indispensável que este mundo interior exista, para que haja criação autêntica. É indispensável que exista esta integração perfeita das experiências com a vida do artista. Que elas façam parte do seu sangue, como diz Rilke, para que mais tarde frutifiquem como obra de arte. A mão que traça uma linha e mistura uma cor não estará praticando um gesto vazio de sentido, mas realizando o que sua experiência exigiu de um modo particular e sincero.

*Fotos de Maria Helena Andrés

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terça-feira, 1 de julho de 2014


A EVOLUÇÃO IMPULSIONADA POR PROJETOS UNIFICADORES

O texto abaixo, enviado por Maurício Andrés é importantíssimo.

“A realização da Copa do Mundo de futebol no Brasil testa a capacidade do país de se organizar, oferecer mobilidade e segurança nas cidades Além disso, testa sua habilidade para receber milhares de visitantes e turistas, aloja-los, dar-lhes condições de  bem estar. Os governos são cobrados em sua competência para realizar as obras necessárias a tempo e com custos adequados. A sociedade se movimenta em torno do evento: alguns exaltam seu aspecto festivo, outros criticam os gastos realizados. Ao se oferecer para sediar a Copa e ser escolhido, o Brasil se propôs um desafio  que catalisou energias e recursos. Da mesma forma, uma cidade  escolhida para sediar os Jogos Olímpicos induz seus governantes a saírem da gestão do dia a dia; mobiliza organização, planejamento, energias humanas e institucionais, monitoramento e fiscalização para que tudo esteja pronto a tempo para o grande evento. O desfile de escolas de samba no Rio de Janeiro, definido por Darcy Ribeiro como o maior espetáculo da Terra também demanda tal capacidade.
Organizar eventos festivos é um desafio pequeno se comparado a outros projetos coletivos. No Brasil, a construção de Brasília foi um projeto que mobilizou vontade, determinação, planejamento e capacidade de realização.  Em Portugal no século XVI, as  navegações foram cuidadosamente planejadas e executadas com a participação da Escola de Sagres. No século XX a descida do homem na lua foi evento que mobilizou esforço e inteligência coletiva, sob o comando da NASA.
A construção das catedrais, das pirâmides do Egito, da muralha da China mobilizaram vultosos recursos econômicos, humanos, tecnológicos e de conhecimento. Foi necessário pagar a subsistência de cada trabalhador, financiar, arrecadar e investir recursos para que elas fossem realizadas com sucesso, durante décadas ou séculos.
Dispor de um projeto, meta ou mito unificador é um requisito importante para fazer  convergir as energias humanas num rumo comum. Em alguns casos, tais projetos que buscam a unificação interna são essencialmente destrutivos e voltados para a dominação de outros povos, tais como as grandes guerras. No sentido inverso apontam projetos de unificação  politica, tal como o que se desenvolve na União Europeia,  com todos os desafios, recuos e avanços que o caracterizam.
Para catalisar energias que levem a um futuro promissor, a humanidade pode precisar de novos projetos e obras unificadores. Um deles pode ser a construção de uma unidade politica planetária. Edgar Morin em texto intitulado O grande projeto observa que “A fecundidade histórica do Estado-Nação hoje se esgotou. Os Estados-Nação são por si mesmos monstros paranóides incontroláveis, ainda mais sob ameaças mútuas. Uma primeira superação dos Estados-Nação não pode ser obtida senão por uma confederação que respeite as autonomias, suprimindo a onipotência”. “Mas nós ainda estamos na "idade do ferro planetário": ainda que solidários, continuamos inimigos uns dos outros e a explosão dos ódios de raça, de religião, de ideologia, provoca sempre guerras, massacres, torturas, ódio e desprezo”. Um projeto político ainda por se realizar é a constituição de uma Federação Planetária que suceda a atual fase dos estados –nação e que avance em relação à Organização das Nações Unidas, da mesma forma como essa avançou em relação à Liga das Nações.
Um projeto unificador é necessário para lidar com a crise ecológica e climática planetária. Thomas Berry e Brian Swimme propõem uma obra coletiva de transitar dessa crise para uma era em que exercitemos nossa capacidade de sustentar o mundo natural para que o mundo natural possa nos sustentar, num processo de  sustentabilidade recíproca. Eles observam que “Todos nós temos nosso trabalho particular. Temos uma variedade de ocupações. Mas além do trabalho que desempenhamos e da vida que levamos, temos uma Grande Obra na qual todos estamos envolvidos e ninguém está isento: é a obra de deixar uma era cenozóica terminal e ingressar na nova Era Ecozóica na história do Planeta Terra. Esta é a Grande Obra”. Eles observam que “Precisamos reinventar o humano no nível da espécie porque os temas com que estamos envolvidos parecem estar além da competência de nossas tradições culturais atuais, seja individualmente ou coletivamente”.
A crise climática está associada a uma crise da evolução biológica e cultural. Diante da perspectiva de colapso planetário e da percepção dos limites da capacidade de suporte do planeta, a busca da segurança motiva uma construção coletiva de respostas. Um dos mitos unificadores atuais é o da sustentabilidade, que se procura viabilizar por meio de um conjunto de iniciativas que envolvem governos, empresas, organizações sociais e indivíduos. Imaginar um projeto unificador, ter a determinação e mobilizar os recursos para colocá-lo em prática numa obra coletiva é um pré-requisito para se construir um futuro promissor.” (Maurício Andrés)

 Autor de Ecologizar e de Meio Ambiente & Evolução Humana WWW.ecologizar.com.br ecologizar@gmail.com

*Fotos de Maurício Andrés e de arquivo

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