segunda-feira, 1 de maio de 2017

ESCAMBOS

Quando nos desligamos dos incentivos, ganhamos outras dimensões.
Os artistas de Minas Gerais afastados dos grandes centros por cadeias de montanhas estão sobrevivendo quase heroicamente. Formam uma resistência que começou há séculos e continua viva até os dias de hoje.

Estamos isolados, mas em compensação, temos o silêncio necessário à criação. Participar de tudo à distância, enxergar o mundo e permanecer ao mesmo tempo no recolhimento de si mesmo, é uma dádiva de Deus.

Estou presente no aqui e agora, estou presente no mundo sem me atordoar com os ruídos ensurdecedores de “muitas cidades, homens e coisas”, como dizia Rainer Maria Rilke em seu livro “Cartas a um jovem poeta”. É preciso conhecer as cidades, o mundo lá fora, mas também perceber “o voo dos pássaros e o gesto das flores que se abrem nas madrugadas”
Enquanto escrevo, vou lembrando o livro que foi para mim fundamental, “Cartas a um jovem poeta”.
À proporção que o tempo vai passando, vou compreendendo melhor as palavras de Rilke.

Coloquei este texto no meu primeiro livro “Vivência e Arte” e, não sei porque, ele está me surgindo no momento.
Enquanto escrevo vou observando o meu entorno, as flores que caíram de uma árvore em frente à minha casa.

“Pise a grama”, nos diz Roberto, meu neto. Estou pisando a grama e refletindo. Pisar a grama é necessário para qualquer um – descarrega emoções negativas e nos possibilita um contato direto com a Mãe Terra. Sim, somos filhos da Terra, mas muitas vezes procuramos o asfalto.

Voltar para a Terra é importante, ela nos reabastece, nos alimenta.

Estar na cidade constantemente é um sufoco. Enquanto escrevo, conservo um jornal no banco ao meu lado. Ele me traz notícias do mundo e eu pertenço ao mundo também, faço parte dele, sou parte integrante de uma sociedade que está sofrendo muito.
Nunca esquecer disso.

Leio as notícias dos artistas reclamando dos políticos, da falta de apoio à cultura, da necessidade de deixar Minas Gerais e ir para São Paulo ou Rio.
Aqui em Belo Horizonte os artistas plásticos continuam vivos. São muitos...

Continuam trabalhando em silêncio porque gostam deste silêncio. Não têm marqueteiros nem compradores, não pertencem a grupos. Reúnem-se nalgum lugar para trocar ideias. Encontrei esse lugar no bairro de Santa Efigênia, BH. Chama-se “Asa de papel”. Ali um coletivo de artistas, intelectuais e profissionais liberais promove encontros, palestras, bate-papos com outros artistas. Trocam-se ideias, trocam-se quadros, cerâmicas, esculturas, livros.

Durante o encerramento da minha exposição, saí muito realizada. Meus quadros valeram trocas fabulosas. Agora posso ter em casa um quadro de Jayme Reis, uma escultura de Jorge dos Anjos, uma cerâmica de Erli Fantini. Troquei o que tinha na hora para trocar, até por alguns vídeos de Guignard feitos por Izabel Lacerda.
Sempre fui a favor dos escambos entre artistas. Estamos revivendo os antigos incas que iam para as praças aos domingos levando o produto da semana para ser trocado por outros produtos. O dinheiro não corria e nesta época de crise, os incas estão nos ensinando.

A resistência francesa teve na época da guerra seu ponto de encontro no Café de Flore em Paris, onde se reuniam os intelectuais Jean Paul Sartre, Simone de Beauvoir e Paul Claudel entre outros. A “Asa de Papel” está reunindo a resistência de Minas Gerais, a possibilidade de se criar sem necessidade de se aliar às grandes empresas.

Micro empresa é incentivo ao pequeno que algum dia será exemplo para a grande comunidade do século XXI.

Não é preciso abandonar as montanhas em busca de apoio e incentivo. Apoio e incentivo temos aqui, na iniciativa desses jovens construtores de uma nova versão da vida e da arte.

*Fotos da internet

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